-Dentro de quarenta dias... (1ª Leitura)
-O tempo se fez curto... (2ª Leitura)
-O tempo está realizado... (Evangelho)
Deus no hoje do homem
A Bíblia, revelação do Deus transcendente, abre-se e se fecha com observações
temporais: “No princípio Deus criou...” (Gn 1,1); “Sim, venho muito em breve...” (Ap
22, 20). Deus não é cultuado, na Bíblia, de modo atemporal e abstrato em sua essência
eterna, como nos filósofos gregos, mas em suas intervenções no momento presente do
homem, que fazem da história do mundo uma história divina. Na experiência humana do
tempo se sobrepõem dois aspectos: um regulado pelos ciclos da natureza (tempo
cósmico), e outro, ritmado pelo fluxo dos acontecimentos (tempo histórico).
O tempo histórico, na mentalidade do homem bíblico, é marcado por grandes
intervenções de Deus na história, de tal modo que a história do mundo se torna uma
história da salvação. Esta história caminha trabalhosamente, através de etapas sucessivas,
para Cristo, que representa seu cume e pleno acabamento. Cristo tem plena consciência
disto quando no início da sua pregação, declara expressamente: “O tempo está realizado
e o Reino de Deus está próximo...” (Evangelho). Pois com ele chegou a “plenitude dos
tempos.” Ele introduz assim na história, o elemento definitivo e discriminante pelo qual
podemos dizer: antes e agora.
“Outrora éreis sem Cristo...estranhos às alianças da promessa.” (Ef 2, 12). “Agora,
ele vos reconciliou pela morte do seu corpo de carne.” (Cl 1, 22). Com Jesus, verificouse
o evento definitivo, mas este ainda não deu todos os seus frutos. Pois os “últimos
tempos” estão apenas inaugurados: a partir da sua ressurreição, eles se dilatam e se
tornaram “tempos da Igreja”. Por isso é que o Reino de Deus tem uma dimensão atual e
escatológica. A conversão ao Evangelho de Jesus Cristo representa para cada homem
mudança de era, uma passagem do mundo presente ao mundo futuro, do tempo antigo,
que caminha para a ruína; ao tempo novo, que caminha para a plena manifestação. A
importância do “tempo da Igreja” deriva do fato de tornar ele possível essa passagem; e
o “momento favorável”, o “dia da salvação” (2 Cor 6, 2).
O tempo de quem “não tem tempo”
A vitória de Cristo sobre a morte é superação dos limites de tempo e espaço. Cristo
opera uma demitização do tempo contra as concepções que haviam divinizado,
coisificado o incessante e incontável fluxo das estações. A vitória sobre a morte cria um
tempo e um espaço para o homem, tempo e espaço de construção de sua identidade e da
identidade de toda a comunidade humana. Um “tempo para o homem” não é só dom, deve
ser também conquista. Mas a busca de tempos de produção cada vez mais veloz como
símbolo de penitência, a incapacidade de controlar a corrida dos acontecimentos, a
necessidade frenética de atualização para não se sentir superado de um dia para o outro,
podem ser sintomas de uma nova sujeição do homem ao tempo. Uma marcha para trás.
O tempo devora o homem
Há quem esteja cansado por já ter caminhado demais. Há quem se viu
repentinamente posto à margem, como detrito inútil; há os que foram lançados fora pela
engrenagem social: anciãos, doentes crônicos, excepcionais, esquizofrênicos. A
sociedade tecnológica não tem tempo para eles, porque não são úteis ao processo de
produção. Pois, para estes, constroem-se casas de saúde, hospitais, abrigos e asilos. O
importante é que não impeçam o caminho.
Tempo de desgosto e tristeza para os marginalizados, os que se reconhecem um
“peso”. Desejo do ancião de sair do seu meio, ou tentativas, por parte da família, de
convencê-lo de que na casa de saúde “tudo é adequado a ele”: a sociedade se recusa a ser
“comunidade terapêutica”, na qual o doente seja curado sem ser cortado do contexto
social em que vive.
Pe. Fco. Sales de Morais, scj
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